"Sorrir" - 5.ª parte
Na igreja tudo estava diferente. As luzes estavam apagadas, muitas velas pequenas estavam espalhadas. Tinham afastado os bancos da parte da frente e no chão colocaram mantas. Em frente ao altar estava uma cruz de madeira, com uma imagem de Cristo pintada no estilo ortodoxo. Também existiam pequenas imagens de Maria com o menino. Estava criado um ambiente quase místico. Estavam lá muitos jovens, grande parte deles eram de outras paróquias.
Todos estavam silenciosos. A Ana viu-me e veio ter comigo, deu-me as mãos e disse-me:
- Ainda bem que vieste. Isto está quase a começar. Eu vou lá para a frente pois tenho que tocar viola. Fica aqui e vai seguindo as instruções que são dadas, quando as músicas terminarem venho ter contigo.
Fiz como ela disse. Um padre jovem conduzia a oração, vestia-se normalmente, confundia-se com qualquer outro jovem. Mandou que as pessoas se colocassem numa posição confortável, desde que não fosse de barriga para cima. O grupo começou a tocar. Desta vez as músicas eram diferentes. Eram mais clássicas e não eram cantadas em português. Entre as músicas havia reflexões e momentos longos de silêncio. Um silêncio pacífico, que naquele ambiente místico parecia parar o tempo. Sentia-me bem ali. O grupo começou a tocar novamente. Desta vez a música estava a ser cantada em português, era repetitiva, com uma letra simples:
“Cantarei ao Senhor, enquanto viver; louvarei o meu Deus enquanto existir. Nele encontro minha alegria. Nele encontro minha alegria.” Ao fim de algum tempo, com a repetição da letra, comecei também a cantar de forma automática. Comecei também a reflectir na letra: “Cantarei ao Senhor”, quem é este Senhor? “Louvarei o meu Deus”, quem é este Deus? “Nele encontro minha alegria”, que alegria é esta? Comecei a achar que a alegria que sentia nas farras, nas brincadeiras, nos gozos, etc., não era a verdadeira alegria. Acho que sei a que alegria se refere a música, o sorriso que a Ana traz estampado no rosto, que os amigos também trazem. Todos têm problemas, mas mesmo assim sorriem. É a Alegria de Deus… Não se pode explicar por palavras, apenas sentir… Agora percebo porque é que a Ana não me explicou o significado da cruz, não iria compreender se não sentisse…
A música parou novamente. Desta vez deitaram a cruz para a adorar, algumas pessoas debruçaram-se sobre ela. Alguém dedilhava a guitarra, tornando o ambiente já de si místico, ainda mais mágico. Que paz fantástica estava a sentir naquele momento… Só de pensar que comecei o dia de uma forma agressiva e agora ali é como se tudo não passasse de uma memória distante, a sentir uma paz mágica… Era como se tivesse a renascer naquele
momento. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”. Lembro-me de ouvir isso na missa. Compreendo agora, esta é a Paz de Deus, diferente da paz dos homens… É semelhante a uma força, que nos deixa serenos perante as adversidades da vida. Sim… Naquele momento de oração estava feliz.
A Ana veio silenciosa por entre as várias pessoas que rezavam, que se sentiam tal como eu. Reparei que alguns choravam emocionados. A Ana sentou-se ao pé de mim, olhando-me por entre a luz diminuta. Olhou para mim sorrindo, com aquele seu olhar meigo e perguntou:
- Estas a sorrir?
Não lhe respondi por palavras. Olhei para ela mostrando o meu sorriso e de certeza que o brilho no meu olhar lhe disse: “Obrigado”.
Parabéns pela iniciativa ao grupo "Ser
Ajuda"
1 Comments:
uma história simplesmente divinal!
acho que conseguis-te transmitir o que realmente nós somos e o que deveriamos ser.
devemos valorizar coisas às quais não damos o devido valor.. e isso acontece essencialmente a nível da vida nas nossas paróquias, e durante muitos momentos do nosso quotidiano..
resumindo, deveriamos melhorar a nossa forma de vermos e falarmos com Cristo!
mais uma vez os parabéns, Tó!
Foi uma historia muito bem redigida e de extrema sensibilidade e interesse.
bjnho
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