SORRIR - 2.ª parte
Nos dias seguintes não encontrei a Ana. Para ser sincero evitei-a mesmo. De repente a atracção que sentia por ela transformou-se em algo diferente, num sentimento estranho, do qual me preferia afastar. Deixei então o tempo correr. Os dias foram passando e a minha ida à missa já estava esquecida. Voltei à minha rotina habitual. Estava na biblioteca da escola a passear-me pela Internet, quando a Ana se sentou ao meu lado. Estava sorridente como sempre e no seu pescoço continuava a habitual cruz.
- Olá. – De repente o seu sorriso voltou a cativar-me. Já me tinha esquecido como era bonito.
- Olá. – Respondi-lhe, retribuindo o sorriso.
- Então, no outro dia gostaste da missa? Eu bem te vi lá atrás…
- Bem… De facto fui. – Não tinha como negar. Resolvi ser honesto e disse-lhe. – Aquela missa foi diferente, não contava com aquele tipo de música. Mas não leves a mal, não me identifico com o que foi lá dito. Não faz sentido para mim, andar por aí a louvar a Deus.
- Isso é porque não compreendes. Ser filho de Deus é sentir uma liberdade enorme e ser livre é ser feliz. Mas não te preocupes, não te vou impingir nada. – Pensei que fosse ficar chateada com a minha resposta, mas não. Continuou a sorrir. Vi então uma oportunidade de me aproximar dela.
- Livre, dizes tu… - Olhei-a com ar provocador.
- Sim, livre… - Respondeu-me continuando a sorrir.
- Nesse caso, sábado à noite podes vir até ao bar? – Convidei-a.
- Este sábado não posso, pois vai haver encerramento de um Convívio Fraterno.
- Convívio Fraterno!? Que é isso!? - Perguntei
- É uma espécie de encontro, de 3 dias, onde ficamos a saber mais de Deus. É uma experiência muito intensa para os participantes. No final do encontro existe um encerramento, onde estão presentes, família, amigos, comunidade em geral… É muito giro.
- Ou seja, mais uma coisa de Igreja…
- Não critiques aquilo que não conheces, fazemos o seguinte: Se tu apareceres no auditório no sábado à noite, no outro sábado à noite eu vou ter contigo ao bar. Pode ser? – Mais o convite tipo missa, mas desta vez era no auditório e em compensação ela saia comigo. Resolvi aceitar.
- Ok, fica combinado, eu vou então, mas se for uma seca aviso já que me venho embora.
- Óptimo, vais ver que vais gostar. E se não gostares ninguém te proíbe de ir embora. – Da última vez que ela disse isto não gostei nada…
- Sim, mas tu manténs a tua parte do acordo, aconteça o que acontecer…
- Claro, desde que faças um esforço por perceber. – O sorriso dela encantava-me, por isso ia esforçar-me por estar lá algum tempo, pelo menos.
- Então vieste! Que bom. – Disse, como sempre sorrindo.
- Sim, não ia faltar ao prometido. Mas já sabes, se for seca vou embora.
- Não vai ser. Tenho de ir ajudar, depois falamos. – Ela foi para o pé dos amigos, pareciam todos empolgados. Os meus colegas deram-me algum gozo: “A dar em cima da menina de coro”. Disse-lhes para não me chatearem. Nesse momento ouve um grande alvoroço e um grande grupo de pessoas entrou, todos de mãos dadas e a cantar. Eram mais de 50 todos jovens e foram-se sentar no palco. Alguns grupos de jovens na assistência batiam palmas e cantavam também. As famílias apontavam para os seus que estavam no palco. Com eles estavam 6 pessoas com violas que iam tocando e cantando. Não percebia muito bem o que se passava, mas todos estavam animados. Finalmente pararam de cantar. Subiu então um homem ao palco, que deu uma explicação simples sobre o que se passava. Durante 3 dias, aquele grupo de pessoas esteve numa casa, isolados do mundo, onde partilharam experiências e foram descobrindo Deus. Fiquei a saber que mais convívios estavam a ocorrer por várias partes do país. A explicação já começava a tornar-se chata, quando disse que todos os convivas (nome dado aqueles que participaram no encontro), iriam partilhar com a audiência a experiência vivida. Perguntou quem queria ser o primeiro. – Eu! - Uma voz decidida falou. Era um rapaz. Um grupo na audiência chamava pelo seu nome.
- Então, diz-me lá o que tens a dizer sobre este teu Convívio? – Perguntou-lhe o homem.
- Só quero dizer que estou muito feliz por ter aceitado este convite. A partir de agora a minha vida vai mudar, porque me apercebi que Deus, não é apenas uma palavra nem uma invenção do homem. Deus está presente em toda a minha vida. Quero aqui, publicamente, agradecer aos meus pais tudo que fizeram por mim, todo o amor que me dão. Muitas vezes discutíamos por eu não compreender o amor que me dão. Mas agora quero dizer que vos amo.
Nesse momento o rapaz emocionou-se e já não conseguiu falar mais. Os seus colegas voltaram a gritar por ele. Os pais estavam relativamente perto de mim, reparei que também eles estavam emocionados pelo testemunho do filho. Achei aquilo insano. Naquele momento pensei que o rapaz estivesse drogado. Nunca me passaria pela cabeça dizer aos meus pais que os amo, principalmente à frente de tanta gente. Além disso os meus pais eram distantes, discutiam algumas vezes. Eu simplesmente afastava-me… Mais testemunhos vieram então. Todos tinham estes pontos em comum: Agradeciam a Deus e à família. Aquela animação continuou, entre músicas e testemunhos. Apesar de tudo estava a achar interessante aquela loucura. Quando todos deram o seu testemunho, o padre responsável veio falar e disse que não podiam acabar, sem celebrar a Eucaristia, apesar do tardio da hora. Só nessa altura me lembrei de olhar para o relógio. Para minha surpresa já passava da meia-noite. Já me estava a levantar para ir embora, quando a Ana veio ter comigo, sentando-se à minha beira.
- Então! Afinal ainda cá estás! Estás a gostar? – Perguntou-me.
- Isto é tudo muito estranho, mas até estou. – Respondi.
Enquanto falávamos começou a missa. Como a Ana estava sentada ao meu lado, resolvi ficar. O ambiente naquela missa era muito mais descontraído, não estávamos numa igreja, todos cantavam com alegria e no momento das leituras todos ouviam atentos. Quando o padre fez a homilía, reparei no seu tom de voz forte e decidido. Quase que não precisava de micro. Falava de forma áspera, mas com uma expressão alegre no rosto. Embora sem perceber do que falava, admirei aquele homem. Uma frase do que disse, com o seu tom de voz forte, ficou-me gravada na memória: “Alegrai-vos e Exaltai-vos, pois Deus nos chamou a ser seus filhos”. Na altura de comungar a Ana levantou-se, parecia concentrada, eu resolvi segui-la e comungar também. Os meus colegas também acabaram por ir. Quando tudo aquilo terminou, já passava da uma e meia. A Ana parecia contente, mas tinha-me feito uma promessa e tinha de a cumprir.
- Agora vais ter de cumprir o que prometeste. – Disse-lhe.
- Sim, o prometido é devido. No próximo sábado à noite podes contar comigo. – Não hesitou em concordar, sempre a sorrir como é seu hábito.
1 Comments:
É obvio que esta parte da história, está sem duvida curiosa: a "menina do coro" consegue levar o rapaz que nao crê em Deus a uma das actividades mais importantes para os jovens que participam nela: O Convivio Fraterno! Nao posso deixar de salientar que, talvez o facto de sorrirmos mais, nos ajuda a levar os problemas para longe, sobretudo, pq precisamos de ter forças para os resolver! É no entanto interessante que, apesar de uma das personagens dizer que nao acredita em Deus, nem em nd relacionado com a religiao, se esforça e vai ao encontro daquilo que a palavra de Cristo pretende transmitir... Talvez o sorriso da Ana, seja a porta que ajuda a ver além do conhecido... Acho que ninguem melhor que o Tó para escrever uma história como esta! :) - Continua, quero ler o resto na proxima semana! ;)
Beijinhos para ti!
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